Nova obra debate formação da identidade paulista

“A Cor da Modernidade” estuda a construção de uma identidade branca, masculina e desenvolvimentista em contraposição a outras regiões do País

Em Edusp

Por Divulgação

A construção de uma identidade branca, masculina e afeita ao progresso para São Paulo na primeira metade do século XX se deu por meio da contraposição com regiões menos desenvolvidas economicamente, mas não sem adotar uma postura autocentrada no que diz respeito a um projeto de nação para o Brasil. Essas são as premissas do livro “A Cor da Modernidade: A Branquitude e a Formação da Identidade Paulista”, da historiadora norte-americana Barbara Weinstein, lançado em maio pela Editora da Universidade de São Paulo (Edusp).

Em entrevista, a autora afirma que o estado tinha melhores condições de desenvolvimento econômico com o fim do Império, por questões como ter mais estradas de ferro e por dominar a produção e exportação cafeeira. Mesmo assim, a imigração europeia foi usada como parte desse avanço, porque contribuía para embranquecer a população. Aliado a isso, a imagem da mulher como mãe de uma classe média trabalhadora contrastaria com a representação da população de outros estados, principalmente do Nordeste.

Weinstein afirma que a revolta de 1932, conhecida como Revolução de 1932, era um movimento contra o governo, mas que não buscava a democracia, modelo que as lideranças paulistas consideravam impossível de ser adotado no país. Ao longo dos anos, a autora diz que a percepção mudou, mas que o livro ajuda a explicar por que a rebelião contribuiu com justificativas para o Golpe Militar e também pode auxiliar no debate sobre os problemas atuais do País.

Com base em quais premissas resolveu pesquisar o que a construção de uma identidade para São Paulo representou para o País?
Barbara Weinstein: São várias. A premissa mais abrangente é que em qualquer país onde há profundas desigualdades geográficas, e não só de classes, existirá um discurso de justificação por parte das pessoas que se aproveitam dessas desigualdades, o que ocorreu no Brasil e no mundo. Detesto usar a palavra inevitável, mas era quase inevitável que a questão de raça entrasse nessas justificativas. Temos o famoso caso da Itália, onde aparentemente não há diferenças de raça na população, mas os italianos do sul foram racializados pelos do norte, conforme o filósofo italiano Antonio Gramsci já afirmou. A ideia também decorreu da minha primeira publicação como acadêmica, em inglês, que foi um ensaio sobre a questão regional no Brasil, criticando uma série de importantes trabalhos que naturalizavam demais as diferenças regionais, sem trabalhar a construção da identidade e das divisas entre as regiões. O Nordeste é uma região, mas São Paulo, que é um estado, também é uma região. Obras anteriores analisavam muito a política, e assumi a posição de estudar a história cultural e econômica. Finalmente, a terceira premissa e principal inspiração para elaborar o livro decorre do meu trabalho anterior, publicado no Brasil como “(Re)formação da Classe Trabalhadora no Brasil”. Na obra, entendi que os empresários e industriais paulistas tinham um projeto nacional, mas a nação para eles era o estado de São Paulo. Isso não quer dizer que queriam se separar do Brasil, mas que a imagem era São Paulo. Comecei a pensar em como a priorização deste estado geraria uma imagem de o restante do Brasil ser mais atrasado.

A rebelião paulista de 1932 e o quarto centenário de fundação da cidade contribuem de que maneira para essa ideia de superioridade?
BW: A revolta de 1932 quase exigiu uma visão da superioridade, senão, como os paulistas poderiam justificar a entrada em guerra com o governo federal? Uma coisa é dizer que o governo não é legítimo, outra é pegar em armas para ir contra o governo. Acabaram sendo o único estado que fez isso, porque achavam que Rio Grande do Sul e Minas Gerais se alinhariam a eles contra o governo de Getúlio Vargas, mais isso não ocorreu. Essa rebelião é um momento perfeito não só para enfatizar o excepcionalismo de São Paulo, mas para criar um discurso da formação da identidade paulista à parte do Brasil. Os estrangeiros que começam a chegar a São Paulo reproduzem essa narrativa de superioridade e excepcionalismo. Na revolta de 1932, era preciso entender São Paulo como algo diferente do resto do país e já nos anos 1920, no contexto da República Velha, existia todo um debate sobre seu predomínio econômico e político. Havia essa ideia de São Paulo como uma locomotiva que puxava vagões vazios, que eram os outros estados do Brasil. Era um discurso fácil para mobilizar a revolta de 1932. As pessoas que mais se esforçaram foram os separatistas, uma minoria que incluiu o termo revolução – mas considero “revolta” melhor. Eles influenciavam o discurso de outros grupos que não iam tão longe, mas que compartilhavam uma visão de São Paulo. Sobre o quarto centenário é um pouco mais complicado, porque, obviamente, qualquer centenário é para se comemorar. Naquele momento, São Paulo aumentava sua liderança na economia brasileira e é uma ironia da história que as políticas econômicas do governo Vargas acabaram favorecendo sua posição de estado mais industrializado, com mais habitantes. Era um momento perfeito para festejar a grandeza de São Paulo, em uma década de crescente nacionalismo e com o discurso de democracia racial, então trabalho com essa tensão entre o nacionalismo e o regionalismo.

De que forma se dá a exclusão de negros e mulheres na construção da identidade paulista?
BW: No contexto do fim do século XIX, quando para mim nasce esse discurso de excepcionalismo paulista, especialmente nos anos de 1880, última década do Império e da escravidão. Nesse momento, quando o chamado racismo científico era muito comum nos países, entre aspas, “modernos”, era difícil a raça não fazer parte do debate. Ainda mais porque as lideranças paulistas tentavam imaginar o futuro do estado após o fim da escravidão, com o movimento republicano cada vez mais forte no estado. Há um livro do qual gosto muito, de Antonio Celso Ferreira, “A Epopeia Bandeirante”, em que ele fala que é natural a elite de uma região que de repente passa de uma economia fraca para o centro da economia nacional – o que ocorreu ali com o café, e por ser a região com mais estradas de ferro –, começar a pensar sobre as condições em que isso ocorre. Também há o interesse na imigração europeia, tanto pela mão de obra barata quanto pelo embranquecimento da população. Mas é muito importante insistir que São Paulo já tinha tudo para ser moderno e não foram os imigrantes que contribuíram para isso, porque chegam a São Paulo justamente atrás dessas condições que existiam. Para a população que era escravizada e supostamente emancipada, os afropaulistas, não houve lugar nesse discurso. Eles se transformam em vestígios do passado. O livro mostra um desenho do cartunista Belmonte sobre a doação de ouro para São Paulo durante 1932, com gente de todas as classes sociais. Há uma única pessoa que é afrodescendente e é um homem muito velho, fraco, andando com uma bengala, o que indica que é uma figura do passado. Não se nega a existência dessa população, mas seria uma parte que iria ficando para trás. Já o debate sobre a mulher é mais complexo e foi algo que me surpreendeu na pesquisa. Não esperava encontrar tanto sobre a mulher na cultura e na história paulistas, especificamente no contexto de 1932. Mas sua presença era uma maneira de trabalhar com a questão da modernidade, ainda que de forma que não desorganizasse a hierarquia da sociedade. A mulher paulista é uma figura arquetípica, que tem um compromisso com a sociedade, com uma mentalidade cívica, mas ao mesmo tempo só vai à esfera pública em momentos de grande crise. De certa maneira, vira a mãe ideal da classe média. É uma figura moderna, mas não necessariamente emancipada.

Como a desigualdade social entre as regiões se relaciona com a formação da identidade paulista?
BW: Houve muitos desdobramentos, mas o fundamental é que começa nos anos da Primeira República. Tem outro livro, de Durval Muniz de Albuquerque Junior, “A Invenção do Nordeste e Outras Artes”, que aborda também essa época. No início, as pessoas ainda falavam “Norte” e só aos poucos “Nordeste” se consolidou como região. Durval afirma, e concordo que o mesmo ocorre em relação a São Paulo, que surge como estado mais rico e poderoso. O Nordeste fica como o Brasil da pobreza, da desordem, dos movimentos fanáticos etc. A identidade paulista não existe sem a identidade nordestina, e vice-versa. É importante entender como essa imagem permitiu que os paulistas dissessem que os impostos de exportação do café, que eram a maior fonte de verba para a esfera pública, deveriam ficar todos em São Paulo, que enviar esse dinheiro a outros estados seria gastá-lo à toa, especialmente com os do Norte. Era todo um discurso não só cultural e racista, mas também econômico. Muita gente ao ler o livro acha que é uma obra de análise de discurso, mas para mim também há o argumento materialista embutido nessa ideia da cultura e da branquitude de São Paulo.

Qual o desdobramento da contraposição de uma representação de São Paulo como desenvolvido e de um Nordeste subdesenvolvido e como isso se relaciona à questão racial e de gênero?
BW: Obviamente, existiam muitas implicações para os migrantes que vinham do Nordeste, chamados de ”baianos“ em São Paulo, o que já é uma maneira racializada de falar dos nordestinos. Isso explica o tratamento dado aos nordestinos, especialmente nas primeiras décadas dessa migração, quando tinham dificuldade de encontrar emprego. Adoro o livro do Paulo Fontes, “Um Nordeste em São Paulo”, porque considera que não é evidente quem é a figura do paulista. Porque o Nordeste está em São Paulo, mas será que continuam nordestinos, ou viraram paulistas? Já em termos de gênero é mais complicado e não trabalhei muito com isso, mas acho que tem muito a ver com uma visão de que os nordestinos representavam uma masculinidade descontrolada, violenta, enquanto os paulistas cultivavam uma masculinidade de classe média.

Gostaria de falar mais algo sobre o tema?
BW: Uma autocrítica é a de que não trabalhei suficientemente bem no livro a relação de São Paulo capital com o estado de São Paulo. No momento de 1932, é mais evidente, por ter mobilizado gente do estado inteiro. No quarto centenário, estão festejando a fundação da cidade, mas dentro do contexto da região, não só da capital. Outro ponto é que há um pouco de decepção minha sobre algo que não se destaca para os leitores e nas resenhas. O capítulo anterior ao epílogo, que aborda as comemorações de 1932 em 1954 e 1957, revisita um termo que aparece na primeira parte do livro, a democracia. Insisto na primeira parte que democracia não era uma ideia muito importante na revolta de 1932. Muitas das lideranças paulistas trataram a democracia como algo impossível no Brasil, porque não enxergavam a maioria dos brasileiros como preparados para serem cidadãos responsáveis. É interessante que, no fim dos anos de 1950, especialmente em 1957, durante o governo de Juscelino Kubitscheck, já havia um discurso de que era um movimento para a democracia. Então, no epílogo, mostro como 1932 virou depois um discurso para apoiar o Golpe Militar de 1964. Acho essa parte do livro muito interessante para se pensar a situação atual do Brasil.

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